A notícia do afastamento de Steve Jobs da direção da Apple ocupou os noticiários e preocupou os fãs da maçã. Os acionistas também devem estar de cabelos em pé. É um drama organizacional e uma ameaça àquilo que aprendemos a chamar de inovação de verdade. Talvez até mais triste é ver uma pessoa definhar, consumido por uma doença misteriosa.
Seriam motivos suficientes para deixarmos o assunto de lado, em respeito ao sofrimento e para não provocar mais nervosismo entre os órfãos do Steve. Mas me ocorreu um desejo irrefreável de aproveitar a oportunidade e aprofundar alguns aspectos da liderança deste personagem interessantíssimo.
As pessoas que, como eu, ganham a vida discutindo, ensinando e promovendo a questão da liderança, devem ter estranhado as informações que têm sido publicadas sobre o estilo de liderar de Steve Jobs (vou chamá-lo aqui carinhosamente de de SJ). A maneira estranha e agressiva de gerenciar sua empresa nunca foi novidade, tendo sido inclusive explorada no cinema (assista o filme Piratas da Informática como exemplo). Algumas notícias, porém, dão conta de uma pessoa tirana, egocêntrica, que se apropria de idéias de seus mais próximos colaboradores e os humilha publicamente. Nada de novo, já que estes comportamentos estão enriquecendo os advogados que defendem ações de assédio moral. O que causa estranheza é ver uma pessoa intratável como ele ser o responsável por construir - e depois recuperar de uma quase derrocada - uma empresa admirada como a Apple. Não estamos falando de gerenciar meia dúzia de pessoas, nem de administrar times medíocres e inseguros, que se sujeitariam a este tipo de tratamento por sentirem-se sem alternativa. O caso aqui é bem outro: uma empresa coalhada de pessoas talentosas, jovens, criativas, construindo uma organização desejada e admirada, que mudou o mundo e os hábitos de quase toda a humanidade. É aquela história: enganar alguns por pouco tempo até que dá, mas muitos por muito tempo... Onde estaria o segredo do SJ?
Os materialistas resumiriam tudo a altos salários e outros benefícios. Não posso nem discordar, já que não disponho de dados a respeito. Porém, ainda assim, não acredito que dinheiro daria conta sozinho do recado. Permito-me imaginar outras razões e encontrar dicas para desvendar os segredos da liderança aqui vislumbrada.
Se liderança não é algo que se adquire por imposição, mas que se conquista dos liderados por mérito, SJ deve ter atrativos que superam os pontos negativos.
Em primeiro lugar, mas não a minha aposta mais forte (que deixarei para o final, para fazer suspense), aceito a hipótese de que sucesso atrai bajuladores. É uma boa hipótese, já que todos adorariam colocar em seus currículos, ou contar na roda de amigos, que compartilharam da presença do gênio.
Há também aqueles que se sujeitariam pela simples honra de ver o futuro sendo definido sob suas barbas, bigodes e chapinhas, testemunhas oculares da história. A genialidade, em estado bruto, sendo destilada, lapidada, até virar um clássico em forma de janelas e ícones clicáveis. Dizem que Leonardo da Vinci era um sujeito amável e dócil. Mas se não o fosse? Quantos se privariam da sua presença se ele fosse um casca-grossa?
A teoria costuma atribuir à confiança um dos principais pilares da liderança, já que ninguém tomaria alguém para guiá-lo sem estar no mínimo confiante de seus méritos. Mas que aspectos da construção da confiança estão presentes aqui? Se considerarmos quatro dimensões - capacidade, responsabilidade, ética e respeito pelos outros - SJ já estaria perdendo feio nos dois últimos. E é aí que entra a minha melhor hipótese: SJ é seguido porque já demonstrou competência diversas vezes, tendo mostrado o caminho do sucesso onde os outros só encontraram incertezas e caos.
Para compreender isto, temos que olhar com frieza para o mundo dos avanços da informática e da eletrônica. O que veremos é um verdadeiro tsunami de novos aparelhos, softwares, conceitos e tecnologias que, na sua maioria, acabam só fazendo sucesso nas matérias de revista. Há alguns anos atrás a bolha da Internet nos mostrou isso de forma cruel. E isso não é de hoje. Para citar apenas um exemplo clássico, o padrão de vídeo Betamax da Sony, superior ao VHS, perdeu a corrida do mercado. É um mundo hostil, mas no qual SJ parece circular com muita desenvoltura. Eu posso imaginar a aura visionária deste interessante personagem e a segurança que ele transmite ao dizer "Vamos! O caminho é para lá!". Para aqueles que vivem, trabalham e dependem do mundo dos bites e bytes, ter uma bússola como essa deve ser muito reconfortante.
Não gostaria de dar a impressão aqui que defendo a truculência, mas apenas constatar o quanto ela pode ser irrelevante diante do poder da visão e da confiança gerada por alguém que prova ser capaz de salvar a todos do inimigo, se seguirem a risca suas idéias.
Como disse acima, para nós que trabalhamos com o conceito de liderança SJ é como um espécime raro para um biólogo: a oportunidade de avançar no conhecimento e provar que existe algo além do que se conhecia como correto. O lamentável é que - talvez - este espécime não esteja conosco por mais muito tempo. Neste momento em que, mais do que nunca, precisamos de líderes visionários, capazes de nos conduzir pela incerteza, Steve Jobs fará falta. Olhar nossa carreira como uma obra de arte, um legado para a história, pode nos despertar para o fato de que seremos lembrados por aquilo que fizemos, e não pelo o que deixamos de fazer.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
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