O fim do grito e o mico-leão da Bovespa

A BM&FBovespa anunciou para dia 30 de Junho próximo a extinção do pregão viva-voz, há 119 anos um dos seus símbolos mais conhecidos. A gritaria dos operadores, na euforia da alta e no desespero da baixa, se confunde com a própria imagem do mercado de ações. A decisão de extinguir o viva-voz foi provocada pelo avanço da tecnologia – o pregão eletrônico. Através dele, mais operações são realizadas e com muito menos erros (intencionais ou não).

Na verdade o processo foi iniciado em 2005, quando a Bovespa encerrou o viva-voz para ações. Atualmente, só 2% das operações do IBovespa são viva-voz. Nos anos 90, operadores do viva-voz eram mais de 2600 (Bovespa e BM&F juntas).

Mesmo assim, o anúncio foi suficiente para que começasse a gritaria – não do pregão – mas dos 90 operadores (com idades entre 30 e 40 anos), que serão demitidos e entrarão para as estatísticas de desempregados. Alegam que não foram avisados a tempo da decisão e que serão prejudicados. A Bolsa se defende, afirmando que a escolha não foi dela, e sim do mercado, que preferiu os custos de operação mais baixos do sistema eletrônico.

Fiquei pensando aqui com meus botões: será que essa gente toda não tinha idéia do que estava acontecendo? Quando trabalhei numa instituição ligada ao mercado de capitais, há quase 9 anos atrás, já se sabia que isso aconteceria. Nove anos parece um tempo razoável, no meu entender, para alguém tomar providências sobre o futuro de sua carreira, no caso de ela estar sendo ameaçada.

Tornar-se o mico-leão-dourado do mercado de trabalho, uma espécie em extinção, não é algo agradável, principalmente do ponto de vista humano da situação. É natural sentirmos por estas pessoas que perderão seus empregos, muitas vezes com famílias para cuidar e sonhos a realizar. Mas o único que nos resta agora é tentar ajudar as demais espécies da "floresta" corporativa, para que não cheguem à mesma situação.

Que lições podemos tirar desta história? Como evitar a obsolescência profissional?

• Ouça os ruídos da floresta: avanços tecnológicos que afetam os processos organizacionais são facilmente reconhecíveis para aqueles que estão de olhos e ouvidos bem abertos. No caso em questão, como adiantei acima, os indícios já eram sentidos há pelo menos 9 anos. Manter-se atualizado, acostumar-se a ler e acompanhar as notícias do nosso segmento profissional é fundamental. Além disso, ouvir diversas opiniões e consultar especialistas do mercado de trabalho também vale.
  
• Avalie mudar de habitat ou evoluir para uma espécie mais "moderna": sabendo que uma mudança importante se aproxima, não deixe para a última hora as providências de atualização e transição para uma área mais rica em oportunidades. Mudar de área ou de profissão exige muito esforço de treinamento, capacitação e tempo. Quanto antes começar, melhor.
  
• Reserve recursos para os períodos difíceis: Como as transições de carreira são períodos de instabilidade, insegurança e dúvidas, planeje-se e avise os que o cercam (família, parceiros etc) que o orçamento será mais curto e seu humor pode não ser dos melhores com mais frequência. Reserve um capital para emergências, reduza gastos desnecessários e encontre formas de manter seu estresse em níveis aceitáveis.
  
• Não desmereça o poder das “serras elétricas” do mundo corporativo: a tecnologia (em especial a internet e os recursos modernos da informática – softwares, equipamentos etc), são poderosos devoradores de ineficiência e da baixa performance. Como a tendência do mercado é sempre buscar mais lucratividade e eficiência, a chance dela entrar na sua atividade profissional e transformar sua vida é muito grande – não importa o que você faça. Por isso, siga o conselho da máfia: os amigos perto e os inimigos mais perto ainda. Procure conhecer o que há de novo, arrisque-se a utilizar as novas tecnologias e desafie o seu comodismo saindo da zona de conforto. Tudo que é novo assusta, e aprender nos faz parecer incompetentes, mas é só no começo. Com o tempo, tudo se torna familiar e os dragões e leões viram lagartixas e gatinhos.

A lista atual do Ibama cita 395 espécies de animais em extinção. Em comparação à relação anterior (1989), o crescimento foi de 80%. Ao contrário das espécies da fauna e da flora, o universo corporativo não tem ONGS que defendem a preservação, apesar do corporativismo muitas vezes cumprir o mesmo papel (como por exemplo professores universitários que resistem aos cursos online). Se a o estrago é tão grande nas florestas, imagino o que a tecnologia deve estar fazendo com a selva corporativa. Não conheço levantamentos oficiais sobre potenciais carreiras em extinção, mas se sentisse que poderia acontecer comigo não esperaria que algum ativista estendesse uma faixa, defendendo a manutenção da minha categoria contra as novidadades tecnológicas.

Tenha coragem e confie em você: nós humanos temos uma tremenda capacidade de adaptação, ao contrário dos micos-leão. Possuímos recursos pessoais e intelectuais inimagináveis. Coloque todo esse potencial a seu serviço. O mundo não muda para nos prejudicar. Ele apenas muda. Não reclame. A vida é uma bênção e aproveitá-la significa admitir que sua beleza tem muito a ver com sua imprevisibilidade. Você se orgulhará do que fez, no futuro, ao olhar para trás.

Quanto ao mico-leão-dourado, permanece na lista em extinção. E nunca aplicou na bolsa.